As eleições para a Duma Federal e o impacto de seus resultados para o futuro da Rússia

As eleições para a Duma Federal e o impacto de seus resultados para o futuro da Rússia

A Rússia organizou eleições de elevado significado no dia 19 de setembro de 2021. Foram escolhidos parlamentares para a Duma Federal, além de chefes de 12 unidades federativas e legisladores de pelo menos 39 unidades. É interessante indicar que, diferentemente do Brasil, cujos Estados apresentam estrutura político-administrativa idêntica que inclui um governador como chefe do Executivo eleito diretamente pelo povo e uma única Assembleia Legislativa, na Rússia observa-se uma enorme diversidade nesse quesito.

Enquanto em alguns lugares o Executivo é desempenhado por um governador eleito diretamente pelos cidadãos (como nos estados brasileiros), em outras nota-se um sistema mais parecido com o parlamentarismo, em que o chefe do Executivo é escolhido pelos membros do Legislativo. Além disso, há casos de bicameralismo regional, em que coexistem uma Câmara de Deputados e um Senado local.

Essas diferenças do ponto de vista da organização territorial do poder são apenas superficiais se comparadas ao significado político dessas eleições em relação a outros países na Europa e na América, inclusive obviamente no Brasil. É certa já a continuidade da hegemonia do partido Rússia Unida, hoje governista, em quase todos os cargos em disputa. Por um lado, ainda que o Rússia Unida tenha sido majoritário em praticamente todas as eleições (federais e também regionais) desde seus primórdios ainda em 2001, por outro esse predomínio variou significativamente ao longo dos anos.

Em 2011, na esteira de uma importante onda de protestos organizados por setores distintos da oposição – que iam desde liberais, socialistas e até mesmo membros de organizações ultranacionalistas de direita – o partido pela primeira vez perdeu a maioria necessária para realizar alterações na Constituição Federal, abrindo-se espaço para os outros três partidos representados no Legislativo Federal (Partido Comunista, Liberal-Democrático e Rússia Justa). Em 2016, essa maioria absoluta foi recuperada, em grande medida, graças à atuação resoluta do governo na crise da Crimeia, conferindo popularidade recorde a Vladimir Putin (e a todos políticos por ele apoiados, sobretudo aos do Rússia Unida).

Desde 2018, esse otimismo recuou, mesmo que não a ponto de ameaçar o domínio governista na política nacional. Antes mesmo da eclosão da pandemia, a aprovação da reforma da previdência em 2019, que previu aumentos para idade mínima e outros aspectos que reduziram o poder de barganha dos trabalhadores russos, gerou uma onda de insatisfação em relação aos rumos tomados no país, conforme demonstraram sondagens de opinião pelo Levada Tsentr. A chegada da pandemia apenas agravou esse quadro, segundo este mesmo instituto. Apesar de o grupo dos pessimistas equiparar-se ao dos otimistas, a popularidade de Putin ainda permanece favorável a cerca de dois terços dos russos, mesmo durante a pandemia.

Os demais três partidos presentes no Legislativo federal apresentam uma relação bastante ambígua com o poder, colocando-se ora a favor, ora contrários aos projetos do governo. Além disso, têm tido dificuldades em apresentar programas políticos claramente alternativos ao curso atual. Para piorar, muitos críticos apontam a baixa diferenciação das agendas políticas defendidas por esses partidos. Ao mesmo tempo, partidos menores têm buscado explorar o ressentimento do eleitor russo diante dessa queda de popularidade do governo.

Chama a atenção o retorno da centro-direita liberal, sobretudo nas cidades maiores, e do surgimento e do fortalecimento de plataformas conservadoras, que defendem maior presença do Estado na economia. Se, à primeira vista, isso pode significar uma tendência de diversidade política, por outro pode também ser vantajoso ao governo para diluir os votos potenciais aos três partidos hoje representados na Duma e, assim, reduzir sua representatividade ou mesmo impedir seu acesso diante da cláusula de barreira.

Estas eleições de setembro podem ser encaradas como uma avaliação popular sobre a forma pela qual o governo tem lidado com os desafios sem precedentes impostos pela pandemia e com o programa de retomada da economia. Se o aumento da contestação pode ser identificado com o surgimento de novas agremiações políticas, ainda não está claro se esse movimento logrará desafiar decisivamente o governo. É, mesmo que o grupo hegemônico assim permaneça, um incremento do apoio popular a candidaturas conservadoras ou nacionalistas deverá impactar o próprio governo.

(comentários de Bruno Mariotto Jubran, Doutor em Estudos Estratégicos Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Revista Intertelas)