O assessor para assuntos internacionais do governo Lula e o chanceler russo discutiram, durante a reunião, o cronograma dos próximos contatos bilaterais, inclusive no âmbito dos eventos organizados sob a presidência russa no BRICS e a presidência brasileira no G20.
Além disso, foi realizada uma “troca substancial” de opiniões sobre assuntos internacionais atuais, incluindo a crise na Ucrânia, conforme comunicado divulgado pela chancelaria russa.
Análise: agenda de Amorim na Rússia reforça papel da multipolaridade frente aos desafios globais
Em sua terceira viagem do ano à Rússia, o assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, já se reuniu com o ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, e participa de discussões entre autoridades da área de defesa dos países do BRICS. Para especialista, a presença reforça aposta na cooperação Sul-Sul.
Pelo segundo dia consecutivo, as principais autoridades brasileiras e russas no ramo das relações internacionais tiveram encontros bilaterais em meio ao aumento das tensões globais da América Latina à Ásia. Após o chanceler Mauro Vieira, em 10 de setembro foi a vez do assessor especial Celso Amorim se reunir com o ministro Sergei Lavrov, chanceler da Rússia. Conforme comunicado divulgado pela Rússia, mais uma vez, as relações bilaterais entre os dois países estiveram em foco, com a discussão de um calendário de novos encontros em “alto nível”, incluindo os eventos “sob a presidência da Rússia no BRICS e do Brasil no G20”.
Amorim seguiu na Rússia até 11 de setembro, e representou o Brasil no fórum que reuniu as principais autoridades das áreas de defesa e segurança nacional dos países-membros do grupo em São Petersburgo, que contou com três dias de agendas.
O professor de relações internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) José Renato Ferraz da Silveira explica à Sputnik Brasil que as constantes agendas ajudam a reforçar a contribuição do país na cooperação Sul-Sul. “Esse fato (a terceira viagem de Amorim à Rússia) só corrobora que o ex-ministro das relações exteriores é a eminência parda dos assuntos internacionais do governo Lula 3”, resume.
Além disso, o especialista acrescenta que a articulação brasileira diante das preocupações com o conflito na Ucrânia, em que foi relatado recentemente o uso de técnicas introduzidas pelos nazistas por Kiev e a guerra de Israel na Faixa de Gaza, reforça o papel “da diplomacia, do diálogo, do multilateralismo, do fim das hostilidades e o uso de dois vetores importantes: a criatividade e o humanismo”.
“Os problemas atuais de paz/guerra no mundo exigem atualização dos mecanismos jurídicos e institucionais da ONU e introduzir alternativas ao FMI e o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) para o fomento das economias emergentes. O Brasil e outros membros do BRICS reconhecem a necessidade de mudança e de uma ordem mais multipolar. O Brasil escolheu e escolhe o caminho da multipolaridade a partir do aprofundamento das interações entre os membros do BRICS. O papel da atual política externa brasileira compreende que os ganhos relativos no desenvolvimento dessas parcerias estratégicas, na consolidação do BRICS, é mais substantivo do que optar por outros caminhos já traçados no passado”, enfatiza.
Outro exemplo, segundo o professor, é o papel de mediador do Brasil frente à situação na Venezuela, em que vários países da América do Sul “queimaram pontes com Caracas”, como Argentina, Equador e Peru.
“O Brasil buscou desde o princípio da crise venezuelana mediar e negociar por uma saída pacífica das partes em conflito e fez algumas propostas para tentar melhorar o clima político venezuelano”, argumenta.
Quais países compõem o BRICS?
Único representante da América Latina no BRICS, que no ano passado chegou a anunciar a entrada da Argentina a partir de 2024 no bloco — com a eleição de Javier Milei, o novo presidente anunciou a desistência do ingresso de Buenos Aires —, o Brasil tem um papel crucial nas discussões para a entrada de outros possíveis representantes latino-americanos, acrescenta o especialista. Entre os já citados está a Colômbia, cujas relações com Brasília se intensificaram diante da proximidade entre os governos Luiz Inácio Lula da Silva e Gustavo Petro. Em abril, o presidente brasileiro chegou a prometer que vai patrocinar a entrada do país no grupo.
“O Brasil tende a ter uma visão estratégica correta de sua inserção global. Exercer uma liderança na América do Sul, navegar com habilidade entre os desafios novos da integração econômica, articular de forma adequada os níveis regional, hemisférico e global e preservar o perfil de um negociador global. Ou seja, a atuação ou a arregimentação dos aliados latino-americanos para o BRICS revela o esforço de uma diplomacia ativa e altiva”, enfatiza.
Já a professora de relações internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisadora do Lab.Ásia, Alana Camoça, lembrou à Sputnik Brasil que nos últimos anos o país busca reafirmar sua presença na arena internacional como ator relevante na discussão de questões de defesa e segurança globais, sendo um dos principais instrumentos justamente o BRICS.
“Amorim, com sua experiência diplomática, destaca o interesse do Brasil em se engajar ativamente em debates estratégicos e contribuir para a formulação de políticas que impactam a estabilidade internacional”, diz.
Questionamento da ordem global vigente
Para além de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, o BRICS registrou uma expansão inédita este ano com o anúncio da entrada de Egito, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Etiópia e Irã. A especialista cita que o país tem adotado uma postura de apoio à integração dos novos membros, inclusive Teerã, que é um dos principais países que enfrentam a tentativa dos Estados Unidos em interferir nas questões regionais e na soberania do Oriente Médio.
“O tom predominante entre os membros do BRICS parece focar na promoção de uma agenda multilateral e na inclusão de nações emergentes ou potências médias em tomadas de decisão sobre questões globais. Não diria que se trata necessariamente de confrontar a hegemonia dos Estados Unidos, mas sim de questionar a ordem global vigente, incluindo suas instituições, regimes e estruturas de poder, buscando maior atuação de países emergentes, potências médias do Sul Global”, afirma.
Mesmo com a experiência diplomática trazida por Amorim às discussões, a especialista vê o atual momento global como desafiador, principalmente no curto prazo.
“O Brasil tem historicamente adotado uma postura de neutralidade e mediação em conflitos regionais e internacionais. Cabe ressaltar que, todavia, mesmo que Amorim possa ajudar a criar mecanismos de diálogo e facilitar a busca por soluções pacíficas, dificilmente, diante da polarização que vivenciamos hoje, seria possível enxergar no curtíssimo prazo uma atuação significativa do Brasil nessa questão”, finaliza.
(por Lucas Morais / Sputnik Brasil)