Com uso do lançador russo Soyuz-2, da agência espacial russa, Roscosmos, o nanossatélite NanoSatC-Br2, lançado ao espaço em março de 2021, tem estudado o campo magnético da Terra e a influência de partículas de energia sobre o Brasil.
O lançamento representa um marco significativo para o programa espacial brasileiro, para Eduardo Escobar Burger, coordenador de engenharias do projeto NanoSatC-Br e professor adjunto de engenharia aeroespacial da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Em entrevista à Sputnik Brasil, ele destaca que a formação de pessoas é um dos principais benefícios do projeto. “A importância em relação à formação de recursos humanos para o setor espacial brasileiro é crucial, pois sabemos que o Brasil é carente de profissionais na área.”
Ele afirma que o projeto envolveu alunos de graduação da UFSM e de pós-graduação do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) em todas as fases do ciclo de vida do desenvolvimento do satélite, desde a concepção até a entrega.
No âmbito tecnológico, o NanoSatC-Br2 serviu como plataforma para validar diversas tecnologias nacionais no espaço, diz. “Diversas tecnologias nacionais foram embarcadas no Nanosat para serem testadas no espaço, incluindo contribuições de grupos de pesquisa da UFMG [Universidade Federal de Minas Gerais] e da própria UFSM”, explicou.
O pesquisador enfatiza que nanossatélites são uma maneira rápida e barata de testar novas tecnologias em condições reais de operação espacial, o que é fundamental para o avanço do setor.
Além disso, segundo o professor, o NanoSatC-Br2 também possui significativa contribuição científica. “O satélite leva cargas úteis com o objetivo de coletar dados científicos que melhoram nosso conhecimento sobre certos fenômenos.”
O que é a anomalia magnética no Brasil?
Um dos focos principais é o estudo da Anomalia Magnética do Atlântico Sul (AMAS), uma região onde o campo magnético da Terra é mais fraco e permite a passagem de partículas de alta energia. “Essa região é crítica porque afeta linhas de transmissão, sistemas de comunicação e satélites em órbita”, explica o professor.
O NanoSatC-Br2, segundo Burger, está equipado com um magnetômetro especificamente para medir essa anomalia e compreender melhor sua intensidade e dinâmica.
“Especificamente esse sensor mede a intensidade do campo magnético em três vetores, permitindo obter um mapa geomagnético da Terra […]. Sabemos que essa anomalia não é estática — ela se move — e precisamos estudá-la com sensores nacionais para que o Brasil tenha autonomia nos estudos […]”, acrescenta.
Burger esclarece que não houve uma parceria formal com a Rússia, mas uma ligação indireta. “Houve uma participação russa com o veículo lançador. O Brasil contratou uma empresa que subcontratou a Roscosmos, a agência espacial russa, para lançar o Nanosat com o veículo lançador Soyuz-2”, detalha.
O professor do Instituto de Física da Universidade Federal Fluminense (UFF) Marcel Nogueira de Oliveira explica que o fenômeno não representa risco à saúde e é vital para o desenvolvimento científico. “A AMAS está sobre o Brasil há pelo menos 500 anos. Com o nosso satélite, complementamos as medidas em solo e melhoramos a compreensão do geomagnetismo.”
Ele explica que embora medidas precisas estejam sendo feitas por satélites da União Europeia, como o Swarm, o Brasil agora possui sua própria fonte de dados. “Com o NanoSatC-Br2, temos uma ferramenta adicional para realizar estudos detalhados sobre a AMAS e desenvolver nossa própria tecnologia e conhecimento.”
Como é feito o lançamento de um nanossatélite?
O lançamento de um satélite envolve diversas etapas complexas, desde a preparação e o transporte até a integração no veículo lançador. Burger detalha que o satélite é colocado em “pods” — caixas que abrigam ejetores que o liberam na órbita correta.
“O trabalho da equipe envolve garantir que todas as etapas sejam cumpridas pela empresa fornecedora do lançamento”, explica. Isso inclui a verificação da integração do satélite com o dispositivo de ejeção e a confirmação de que o serviço está sendo prestado conforme contratado. Um dos maiores desafios enfrentados no desenvolvimento do NanoSatC-Br2 foi a colaboração entre várias instituições em diferentes locais, como a UFSM, em Santa Maria (RS), e o INPE, em São José dos Campos (SP)”, segundo ele.
Além disso, o flagelo da COVID-19 complicou ainda mais o processo: “A parte final do desenvolvimento e o lançamento ocorreram no meio da pandemia, o que ocasionou inúmeros problemas, inclusive para sair do país e viajar para a Rússia.”
Além do magnetômetro, o NanoSatC-Br2 carrega outros sensores, como a sonda de Langmuir, que contribuem para a coleta de dados científicos.
“A comunidade científica utiliza esses dados para mapear o campo magnético terrestre, permitindo entender a dinâmica da AMAS e eventualmente elaborar formas de mitigar suas consequências.”
Oliveira destaca que o satélite tem função crucial para o estudo do campo magnético da Terra e da influência das partículas de energia sobre o Brasil, de forma independente. “Com o NanoSatC-Br2, temos medidas precisas e dados in natura brasileiros, sem a necessidade de requisitar dados de agências estrangeiras.”
Cooperação espacial entre Rússia e Brasil
Raquel Missagia, professora de relações internacionais da UFF e especialista em geopolítica espacial, explica que a cooperação entre Brasil e Rússia no setor espacial teve diversos momentos marcantes.
Um deles ocorreu após o acidente em Alcântara (MA), em 2003, quando a Rússia prestou assistência técnica essencial para a identificação das causas e a recuperação do centro de lançamento brasileiro. “Engenheiros russos vieram ao Brasil e engenheiros brasileiros foram à Rússia, promovendo troca de experiências e um aprofundamento dos laços entre os países.”
Outro exemplo é a instalação de três bases de monitoramento do sistema Glonass, o equivalente russo ao GPS, em universidades brasileiras.
Localizadas em Brasília (DF), Recife (PE) e Santa Maria (RS), essas bases auxiliam na calibração e manutenção do sistema russo e também oferecem ao Brasil a oportunidade de acessar e tratar essas informações, fortalecendo a pesquisa e a produção científico-tecnológica no país.
Ela menciona que o NanoSatC-Br2 foi lançado em março de 2021 a partir de Baikonur, no Cazaquistão, com o apoio da Roscosmos. “Embora a Rússia não tenha participado da fabricação ou do projeto do NanoSatC-Br2, sua participação no lançamento foi crucial.”
Além da Rússia, o Brasil tem buscado apoio de outros países do BRICS para seus projetos espaciais. O satélite Amazonia 1, por exemplo, foi lançado pela Índia, enquanto a China tem sido uma parceira constante na construção dos satélites CBERS, para monitoramento remoto.
Apesar das parcerias promissoras, o setor espacial brasileiro tem desafios relacionados ao financiamento e à vontade política, segundo ela, o que acaba atrasando projetos e contribuindo para a fuga de cérebros. “O orçamento destinado às atividades espaciais no Brasil diminuiu drasticamente após 2015, impactando diretamente os projetos e a cooperação internacional.”
“A cooperação internacional é uma ferramenta importante que o Brasil precisa explorar mais, especialmente com a Rússia, dado o histórico de colaboração entre os dois países”, afirma a especialista.
O professor do Instituto de Física da UFF, Marcel Nogueira de Oliveira, ressalta a importância de tais tecnologias para garantir uma soberania científica. “O Brasil tem uma tradição em desenvolvimento de tecnologia aeroespacial, principalmente voltada para satélites, mas não necessariamente para lançamentos de voos espaciais. A Rússia é precursora nisso.”
“Hoje em dia, é de fundamental importância. Você tem países-chave que dominam essa tecnologia. EUA, os membros da União Europeia, a China, a Rússia. Mais recentemente, a Índia também se mostrou uma potência nesse setor. E você estabelecer parcerias-chave com esse tipo de nação, que têm esse know-how, é importante para a gente poder desenvolver esse tipo de tecnologia.”
O Brasil, que já teve acordo com a Roscosmos nos anos 1990, aproveita parcerias como essa para obter experiência e conhecimento necessários para futuras missões, diz Oliveira.
“A partir de 2004, após a tentativa de lançamento do satélite SACI, o programa espacial brasileiro ficou meio congelado. Então a parceria com a Rússia no lançamento do NanoSatC-Br2 é um marco importante.”
“Trabalhamos com dados nossos, tanto de medidas em solo quanto via satélites. Isso desenvolve a ciência nacional e nos permite avançar com méritos próprios”, diz, ressaltando que é preciso parcerias longas e duradouras, com benesses a ambos os lados.
(fonte: Agência Sputnik Brasil, por Guilherme Correia e Angélica Fontella)