A ciência nuclear da Rússia está presente em hospitais e clínicas de saúde brasileiras, através de radiofármacos essenciais para o diagnóstico e o tratamento de doenças como o câncer. Para aprofundar a parceria com o Brasil, empresa nuclear russa Rosatom acena com a possibilidade de compartilhamento de tecnologia.
Em 20 de juho foi realizada em Moscou a cerimônia de abertura do Fórum Internacional de Especialistas do BRICS em Medicina Nuclear, organizado pelo Ministério da Saúde da Rússia e pela empresa estatal russa de energia atômica, Rosatom. O Fórum reuniu mais de 200 representantes, incluindo especialistas e diplomatas brasileiros.
A medicina nuclear contribui para o diagnóstico e tratamento de doenças utilizando radioisótopos e demais materiais radioativos, em quantidades mínimas e de forma indolor. O Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro utiliza radioisótopos importados para realizar o diagnóstico de doenças como câncer, embolia pulmonar e demência.
“É muito importante para o Brasil estar presente neste fórum”, disse o embaixador do Brasil em Moscou, Rodrigo Baena Soares, à Sputnik Brasil. “O setor nuclear russo é bem desenvolvido e temos muito a ganhar com a importação desses insumos, que não são produzidos no Brasil.”
O embaixador nota a necessidade de cooperação internacional para superar o desafio de garantir saúde pública de qualidade a grandes contingentes populacionais, como o brasileiro.
“Nosso país garante o acesso à saúde de qualidade como um direito constitucional, e o setor de medicina nuclear tem impacto direto na vida dos brasileiros de todas as classes sociais”, ressaltou o embaixador. “A medicina nuclear salva vidas no Brasil.”
De acordo com Igor Obrubov, diretor-geral da Rusatom Healthcare, divisão da empresa estatal russa de energia atômica especializada na fabricação de equipamentos médicos, a cooperação bilateral Brasil-Rússia no setor nuclear é sólida.
“A Rosatom coopera com o Brasil há mais de 30 anos na área de energia nuclear e fornecimento de radioisótopos. O nosso primeiro contato foi em 1993, e desde então nunca foi interrompido”, disse Obrubov à Sputnik Brasil.
Atualmente, a empresa russa atende a cerca de 30% da demanda do mercado brasileiro, enviando semanalmente radioisótopos como molibdeno 99, lutécio 177 e iodo 131 às instalações de saúde em todo o país.
O governo brasileiro, no entanto, também tem interesse de iniciar a produção de radioisótopos nacionalmente, ainda que em escala de pesquisa. A construção do Reator Multipropósito brasileiro para produzir esses insumos voltou para o topo da agenda do Ministério da Ciência e Tecnologia em 2023.
Conforme reportado pela Sputnik Brasil, a Associação Brasileira de Energia Nuclear recebeu garantias do comprometimento do Palácio do Planalto com o reator, que deve absorver US$ 500 milhões (cerca de R$ 2,4 bilhões) em recursos do Fundo de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia.
Os especialistas brasileiros presentes no Fórum realizado em Moscou explicam, porém, que o reator não necessariamente substituiria a importação de radioisótopos de países como a Rússia.
“A vantagem de ter o reator não é de excluir a possibilidade de importação, mas sim de poder produzir uma gama maior de radioisótopos e realizar pesquisa para desenvolver novos elementos”, disse Emerson Bernardes, professor do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), à Sputnik Brasil. “O reator permite a pesquisa e desenvolvimento de novos radioisótopos que, no futuro, podem ser essenciais para o tratamento de enfermidades.”
A Rússia, por sua vez, poderia ampliar o seu papel de fornecedora-chave da medicina nuclear brasileira para incluir projetos de capacitação de pessoal e compartilhamento de tecnologias, argumentaram os brasileiros presentes no Fórum.
“Temos uma grande necessidade de ter acesso a esses radioisótopos, não só do ponto de vista do fornecimento, mas também da expertise de produzi-los”, disse o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear, Rafael Lopes, à Sputnik Brasil. “Este processo poderia ocorrer dentro do ambiente universitário brasileiro.”
O diretor-geral da Rusatom Healthcare, Igor Obrubov, compreende a demanda dos colegas brasileiros, e acenou com a possibilidade de compartilhamento tecnológico na área de radiofármacos e equipamentos.
“A conjuntura internacional faz com que países busquem obter sua soberania tecnológica. É claro que desenvolver todas as áreas internamente não é possível, por isso, acredito que os países dos BRICS [grupo composto por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul] podem se unir para gerar sinergia entre os setores tecnológicos mais desenvolvidos de cada país”, argumentou Obrubov. “Tecnologias podem ser compartilhadas e a Rosatom não é exceção.”
Segundo ele, a Rusatom Healthcare oferece ao Brasil a obtenção de equipamentos voltados para a medicina nuclear, “e estamos prontos para compartilhar as tecnologias necessárias para o desenvolvimento conjunto de equipamentos”.
“No âmbito da competência que temos sobre radiofármacos, estamos dispostos a compartilhar essas tecnologias com nossos parceiros brasileiros”, declarou Obrubov à Sputnik Brasil. “Nossa cooperação no Brasil não se resume ao fornecimento e já inclui a área de desenvolvimento de produtos acabados.”
A comunidade de saúde brasileira, por sua vez, poderia compartilhar sua vasta experiência em aplicação clínica da medicina nuclear com seus parceiros russos.
“O Brasil tem muita experiência clínica de tratar pacientes fazendo o uso desses radioisótopos, algo que aqui ainda dá seus passos iniciais”, disse o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear, Rafael Lopes. “A Rússia faz cerca de 20 mil exames de medicina nuclear por ano, enquanto o Brasil realiza mais de 2 milhões. Então temos o que oferecer ao lado russo também, para que cooperemos entre iguais.”
Além da contribuição na área de medicina, a Rosatom poderá ter papel relevante na garantia da segurança alimentar brasileira, através da aplicação da tecnologia nuclear em produtos alimentícios.
“Estamos oferecendo a países da América Latina os serviços do nosso Centro Multifuncional de Irradiação, que providencia irradiação de baixa dosagem para produtos alimentícios, com o objetivo de eliminar impurezas e aumentar a sua qualidade e durabilidade”, revelou Obrubov à Sputnik Brasil. “Com auxílio do nosso método, o tempo de armazenamento dos produtos se eleva em até três vezes. De fato, isso tem efeito positivo para a segurança alimentar de qualquer país.”
O Centro Multifuncional de Irradiação da Rosatom tem seus métodos certificados pela Agência das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Além da matriz localizada na cidade russa de Lytkarino, a empresa está construindo uma nova filial em Obninsk, próxima cidade a ser visitada pelo Fórum Internacional de Especialistas do BRICS em Medicina Nuclear.
A cidade de Obninsk foi palco da construção da primeira usina nuclear do mundo e segue como epicentro do desenvolvimento do setor na Rússia. Em 2023, a Rosatom iniciou a construção de mais uma usina de produção de isótopos médicos, que em breve deverá abastecer os hospitais e consultórios médicos brasileiros.
“Estamos totalmente abertos para ampliar a cooperação com parceiros de países amigos como o Brasil […] afinal, o diálogo entre parceiros sempre atinge resultados mais sólidos”, concluiu Obrubov.
(fonte: Sputnik Brasil – Ana Livia Esteves)