O novo Embaixador do Brasil na Rússia vai contar com visita do chanceler Carlos França e do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, para evitar arrefecimento das relações bilaterais.
(por Ana Livia Esteves, para a Sputnik Brasil) Há pouco mais de duas semanas, o ministro de primeira classe da carreira diplomática do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, Rodrigo Baena Soares chegou à capital russa para assumir a Embaixada do Brasil em Moscou.
Com vasta experiência profissional, Baena Soares já chefiou as embaixadas do Brasil no Peru e em Moçambique. Além disso, serviu em postos centrais para a diplomacia brasileira na Argentina, em Paris, Paraguai e EUA.
O embaixador parece confortável na capital russa, que ainda conta com um clima outonal ameno e ensolarado. O seu novo escritório é um tanto peculiar, visto que a Embaixada do Brasil em Moscou está localizada em um edifício histórico, construído em 1876, que combina elementos arquitetônicos russos e bizantinos.
Além de representar o Brasil na Rússia, Baena Soares acumulará a chefia da representação do Uzbequistão. Situado na Ásia Central, este país tem 34 milhões de habitantes e muitos desafios de segurança pela frente, associados à saída dos Estados Unidos do Afeganistão.
No tocante às relações entre Brasil e Rússia, o embaixador assume o posto em um momento desafiador. O comércio bilateral retraiu em 2020 e pela primeira vez o Brasil incorreu em déficit. O tradicional carro-chefe das exportações brasileiras, a proteína animal, já não encontra o mesmo espaço no mercado russo.
O diplomata, no entanto, está otimista de que o Brasil pode encontrar outros nichos de exportação para a Rússia, como o setor de frutas. O Brasil já é o líder em exportação de mangas para o país euroasiático, que importa 75% das muitas frutas que consome.
Baena Soares diz querer dar tração às relações bilaterais, retomando algumas comissões de alto nível, que não se reúnem há algum tempo, e contando com o impulso que visitas à Rússia de altos funcionários do governo brasileiro podem dar a projetos de interesse comum.
Para começar a sua chefia no posto com o pé direito, Baena Soares contará com uma visita do chanceler brasileiro, Carlos Alberto Franco França, a Moscou, prevista para ocorrer em novembro deste ano. Antes disso, em 9 de outubro, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, também deve aterrissar em terras russas.
A Sputnik Brasil conversou com o Rodrigo Baena Soares para debater alguns dos principais pontos das relações entre Brasil e Rússia e descobrir quais as aspirações pessoais de Soares em seu novo posto.
Sputnik: Por que você aceitou chefiar o posto de Moscou? Você tinha interesse prévio na cultura e política russa, ou vem pra cá como uma folha em papel em branco, pronto pra aprender?
Baena Soares: A Rússia é sempre um país que interessa, tem que interessar a todo mundo. É um país importante para o Brasil, importante para o mundo. Então qualquer diplomata, na minha opinião, tem que se interessar pela Rússia de alguma forma. Não trabalhei diretamente com a Rússia, mas trabalhei na área de Defesa do Itamaraty por três anos. Lá fiz muitos contatos com os russos, tivemos várias reuniões. Também estive nas Nações Unidas, na época que o Brasil era membro do Conselho de Segurança. Aliás, o embaixador da Rússia era o [Sergei] Lavrov naquele momento. Ao longo da carreira, a Rússia sempre aparece no caminho, pelo próprio peso e projeção que tem no mundo, e também pela importância na sua relação com o Brasil.
S: O senhor já teve postos importantes como Paris, Buenos Aires, Maputo e Lima. O que você pode trazer destes postos para a sua experiência em Moscou?
BS: Eu tenho 35 anos de carreira diplomática, então, acho que alguma experiência já tenho: tanto multilateral, nas Nações Unidas, quanto na chefia de embaixadas. Em Buenos Aires, fui ministro dessa que é uma das embaixadas mais importantes para o Brasil. Acho que em termos de experiência diplomática, tenho uma experiência multilateral, bilateral, na área de Defesa, na área de política, na área de imprensa… uma experiência diversificada.
S: Embaixador, o Brasil e a Rússia têm uma relação sólida: firmaram uma Parceria Estratégica, são sócios nos BRICS e no G20…
BS: Com a Rússia nós temos uma relação muito especial, porque temos quase 200 anos de relação, apesar de algumas interrupções. No geral, são quase 200 anos: 193. É uma relação em que somos sócios no BRICS e no G20. A partir de janeiro, estaremos juntos no Conselho de Segurança [das Nações Unidas] por dois anos, afinal o Brasil assume a cadeira de forma não permanente em 1º de janeiro. Temos muitos interesses na área de desarmamento, por exemplo. Temos uma relação comercial bastante sólida. Claro que o comércio caiu ultimamente, por conta da pandemia, mas já chegou a quase US$ 8 bilhões em 2007. Hoje em dia, está por volta de US$ 5 bilhões. Então é um comércio bastante vigoroso, mas que, claro, tem espaço e potencial para crescer mais. Temos investimentos russos no Brasil e as grandes empresas russas estão presentes no nosso país: a Rosneft, a Gazprom e a Rosatom. Temos a rede de supermercados [russa] X5, que comprou uma rede brasileira. O ideal seria se tivéssemos investimentos brasileiros aqui. A isso nós chegamos no passado, no setor de proteína animal. Hoje em dia não temos mais, mas isso é um elemento que eu vou procurar estimular: que o Brasil tenha investimentos aqui. Na área cultural, eu sei do apreço que os russos têm pela nossa cultura, e também acho que nós precisamos conhecer melhor a cultura russa. Há um espaço grande para intercâmbio cultural entre os dois países. Temos experiências muito bem-sucedidas, como a do [ballet] Bolshoi, que tem uma sucursal em Joinville. Mas podemos incrementar, para a gente se conhecer melhor!
S: Mas nosso potencial comercial nunca foi realizado. A parceria estratégica colocou, ainda em 2004, uma meta de atingir 10 bilhões de dólares em trocas. Por que nunca atingimos esse número?
BS: Houve uma redução em relação à proteína animal, isso foi determinante. Claro que a Rússia, na sua prerrogativa, procurou ter autossuficiência na área de proteína animal, e com sucesso! A carne suína é um exemplo: nós exportávamos bastante carne suína para a Rússia, e agora a Rússia exporta para os mercados em que nós também estamos presentes, como Vietnã e China. É claro que o agronegócio está presente, é o centro da relação [com a Rússia], porque nós exportamos bastante soja, ainda bastante proteína animal, amendoim, tabaco, frutas. Frutas é um mercado que a gente pode ampliar, agregando valor a elas. Ao invés de exportar fruta in natura, podemos exportar sucos, frutas congeladas, frutas secas. É um mercado que podemos conquistar. E do lado russo, eles exportam fertilizantes, que são essenciais para o nosso agronegócio. E também há investimentos dessas empresas de fertilizantes no Brasil. Mas precisamos pensar em exportar produtos de valor agregado. Já vemos algum avanço nas nossas exportações de algumas máquinas e equipamentos. Acredito que há espaço na área de manejo florestal e também na área de exploração de petróleo. Existem muitas possibilidades, é preciso estimular as nossas empresas para estarem mais presentes aqui e aumentar o intercâmbio de produtos de valor agregado.
S: Apesar de não ser mais o carro chefe das nossas exportações, sabemos que o setor de carnes merece atenção, por causa de entraves sanitários. O número de plantas frigoríficas de bovinos e de suínos habilitadas para exportar para a Rússia hoje é muito inferior ao que era no passado. Como podemos garantir que os russos retomem as habilitações? A Embaixada está trabalhando para retirar as restrições impostas pela Rússia à carne bovina brasileira, em função do caso atípico de [encefalopatia espongiforme bovina] BSE?
BS: Sem dúvida! [Em 30 de setembro] tenho um encontro com Sergei Dankvert, chefe do [Serviço Federal de Vigilância Veterinária e Fitossanitária da Rússia] Rosselkhoznadzor. Esse encontro demonstra a nossa atenção aos temas do agronegócio. O agronegócio, é de fato, o carro chefe do nosso intercâmbio comercial e vai continuar sendo. De fato, há necessidade de habilitar mais estabelecimentos brasileiros. Nós já chegamos a ter 53 estabelecimentos de produção de carne bovina habilitados, mas atualmente nós temos 11. Agora temos o problema com a BSE, mas isso é, de fato, uma espécie de medida temporária, porque esse foi um caso muito isolado, que não afetou o nosso rebanho. Tenho certeza que os russos vão compreender que é um caso isolado e que isso vai se resolver. Então, de fato, há a necessidade de aumentar o número de frigoríficos habilitados, e também procurar soluções criativas: ver o que os russos querem consumir em termos de carne, como carne mais premium. Temos que fazer um exercício de inteligência comercial para ver que tipo de carne eles querem consumir e o que nós podemos oferecer.
S: Sabemos que ótimos momento para tratar desses assuntos são nas reuniões das comissões bilaterais. O Brasil e a Rússia, no entanto, têm várias comissões de alto nível, como a Comissão Brasileiro-Russa de Alto Nível de Cooperação (CAN) e a Comissão Intergovernamental Rússia-Brasil de Cooperação Econômica, Comercial, Científica e Tecnológica (CIC), que infelizmente não se reúnem há muito tempo. Temos alguma perspectiva de retomada?
BS: Sim. Está marcada a reunião da CIC já está marcada para os dias 25 e 26 de outubro, em Brasília. Essa é uma grande fase, em que estamos retomando [as comissões conjuntas], que, de fato, não se reuniam há algum tempo – no caso da CIC, desde 2017, no caso da CAN desde 2015. E agora vamos retomar. A CIC já está prevista e organizada, e a CAN deve se reunir no ano que vem, porque não pode haver uma reunião da CAN sem que haja uma reunião da CIC antes.
S: Em setembro, foi noticiado na mídia russa que o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos França, faria uma visita oficial à Rússia em novembro. A visita vai ocorrer? Qual o objetivo da visita?
BS: Sim! E deve vir agora [a Moscou] o ministro de Minas e Energia [Bento Albuquerque], no dia 9 de outubro, para participar da Energy Week e também ter reuniões com as contrapartes locais. Está tendo um movimento [de retomada]: está vindo um ministro, está vindo o nosso chanceler, está se retomando a CIC, ou seja, estamos ganhando tração. Claro que a pandemia também afetou muito. Mas como essa relação é importante tanto para o Brasil, quanto para a Rússia, há o interesse dos dois países em retomarem essas reuniões que são importantes, como a CIC e as visitas bilaterais. Temos uma possibilidade de diálogo sobre temas do Conselho de Segurança, afinal vamos estar nele a partir de janeiro. É importante para a gente manter esse momento. Não deixar as relações arrefecerem.
S: Uma das áreas que se destacou nesse ano nas relações entre Brasil e Rússia foi a aprovação da vacina russa Sputnik V contra o coronavírus. A recusa da Anvisa gerou bastante desconforto entre as partes, mas o Brasil segue, oficialmente, interessado em obter vacinas russas. Como continuar o processo depois da recusa da Anvisa? Que caminho seguir?
BS: Este é um processo que está se desenrolando entre a Anvisa e o Fundo Russo de Investimentos Diretos. Acho que já houve uma abertura e que seja natural que essas negociações evoluam e que cheguem a algum bom termo.
S: Na área de defesa, o Brasil comprou helicópteros MI-35M da Rússia recentemente. Quais as perspectivas de cooperação nessa área?
BS: Já compramos os Mi-35, que estão em Porto Velho, no Centro de Manutenção Técnica, e também temos o sistema de defesa [sistema portátil de mísseis antiaéreos] Igla, que fica no ombro do soldado. A Rússia é o segundo maior produtor de equipamentos de defesa do mundo, então temos que manter o diálogo. No momento não temos [um projeto em particular], mas existe um intercâmbio, muitas reuniões entre os altos comandos das nossas Forças Armadas, e pode surgir [um projeto], um diálogo mais amadurecido e intenso na área de produtos de defesa. Nós também temos a capacidade, dado o nosso elevado padrão na área de ciência e tecnologia, de absorver tecnologias. Muito se fala sobre a transferência de tecnologia e nós temos essa capacidade, temos que aproveitar isso, como no caso dos programas que temos com a França, na área de submarinos, e com a Suécia, na área de caças. Não há nada em vista, mas sempre podemos encontrar alguma oportunidade através do diálogo entre os dois países.
S: Desde o início da pandemia, o trânsito de cidadãos brasileiros para a Rússia está severamente restrito. Quais os efeitos dessas restrições no comércio entre Brasil e Rússia? A embaixada trabalha para reverter esse quadro?
BS: Na América Latina toda, apenas a República Dominicana está liberada [para trânsito de cidadãos com a Rússia], e agora o Peru foi liberado. Não é só o Brasil. Não quero dizer com isso que não tenhamos que trabalhar [pela reabertura]. Nas duas reuniões que eu tive no Ministério das Relações Exteriores da Rússia até agora, eu abordei este tema. Mostrei os números do Brasil, que são favoráveis. Claro que a pandemia ainda existe, como em todo o mundo, mas nossos números estão bem melhores do que há um tempo atrás. Nós já temos um índice de vacinação muito alto com as duas doses, chegando a quase 60%. Estamos evoluindo nesse sentido. Os números [da COVID-19] evoluem. Claro que toda morte deve ser lamentada sempre, qualquer morte é uma perda terrível. Mas a nossa média está melhorando. Estamos gradativamente saindo do estado mais crítico, e esses números mostram cada vez mais uma redução positiva, houve uma desaceleração do número de casos e de mortes. Então, já temos uma situação que poderia permitir a volta, ou a abertura total das fronteiras para nós.
S: Daqui há cerca de quatro anos, quando o senhor finalizar a sua missão, por qual projeto gostaria de ser lembrado? Qual o legado que gostaria de deixar? Qual a área de cooperação que você quer que seja a marca da sua chefia do posto?
BS: Eu tenho interesse em muitas áreas, mas acredito que na área de ciência e tecnologia, nós podemos ter uma relação muito mais estreita com a Rússia. A Rússia é considerada, e com toda razão, uma excelência na área de tecnologia e inovação, e nós poderíamos aproveitar mais: ter mais diálogos entre os parques tecnológicos, entre as universidades, projetos em comum, projetos na área espacial. Acredito que seja uma área que a gente pode fazer mais que temos feito, aproveitando a excelência russa nessa área. Também na área cultural, é preciso se conhecer melhor, por isso eu gostaria de fazer muitos eventos, aproveitando o bicentenário da nossa independência e os 100 anos da Semana de Arte Moderna, no ano que vem. São dois marcos importantes. Eu quero mostrar o Brasil para os russos nas artes plásticas, na dança, na música. Também acho que a gente precisa ter um diálogo político ainda mais estreito, já que a Rússia é um país absolutamente incontornável para qualquer outro no mundo, então podemos ter o aprofundamento do diálogo político comum. Na área comercial, devemos diversificar ainda mais as exportações. Pensar em retomar os investimentos brasileiros que já aconteceram no passado. São essas áreas, principalmente, que eu gostaria de trabalhar com a Rússia.