Rússia atinge a liderança no mercado de diesel brasileiro

Rússia atinge a liderança no mercado de diesel brasileiro

Rússia ultrapassa os EUA e se consolida como principal fornecedor de diesel para o Brasil. De acordo com analistas, os obstáculos impostos pelas sanções econômicas já estão superados, e o produto russo deve se manter no mercado brasileiro no médio e longo prazo.

No mês de novembro, o envio de diesel da Rússia para o Brasil atingiu níveis recordes, revelaram dados do London Stock Exchange Group (LSEG). Os carregamentos devem chegar aos portos brasileiros em dezembro e garantir que o ano de 2023 seja um dos mais bem-sucedidos para o comércio entre Brasil e Rússia na história das relações bilaterais.

De acordo com dados da SECEX, a corrente de comércio entre Brasil e Rússia entre janeiro e outubro de 2023 já cresceu em 5% em relação ao mesmo período de 2022, ano recorde no comércio entre os países.

Se em 2022 o carro-chefe do comércio entre Brasil e Rússia eram os fertilizantes, em 2023 o produto que está garantindo a manutenção do desempenho da Rússia no mercado brasileiro é o diesel com teor ultrabaixo de enxofre (ULSD, na sigla em inglês).

Tradicionalmente, o Brasil importa cerca de 25% do diesel que consome, principalmente de países como os EUA. Em agosto de 2023, no entanto, a Rússia respondeu por 70% das importações de diesel brasileiras, se tornando o principal fornecedor do país.

De janeiro a agosto de 2023, o Brasil importou 3,15 milhões de toneladas de diesel russo, comparado a 2,20 milhões de toneladas do combustível provenientes dos EUA. Em valor, a queda nas vendas de diesel dos EUA no mercado brasileiro entre 2022 e 2023 chega a 65%.

De acordo com o diretor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP), Ildo Sauer, a chegada do diesel da Rússia ao Brasil é consequência de um rearranjo no mercado mundial de petróleo e gás natural, motivado pelo insucesso das sanções econômicas impostas contra a Rússia em 2022.

“A Rússia buscou novos mercados para suas exportações, como consequência das sanções lideradas pelos EUA e com adesão subalterna da Europa e da tentativa ingênua de colocar um preço-teto às exportações de petróleo russas”, disse Sauer à Sputnik Brasil. “O que houve foi um rearranjo do mercado mundial, no quadro origem–destino.”

Como consequência, “a Europa sofre com aumento dos preços dos derivados de petróleo e um processo de desindustrialização”, enquanto “o Brasil se beneficia ao importar diesel russo a preços convidativos”.

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Segundo o presidente da Câmara de Comércio Brasil–Rússia, Gilberto Ramos, os principais entraves para a importação de diesel russo pelo Brasil – o estabelecimento de meios de pagamentos e soluções logísticas – já foram superados.

“As pontes já foram construídas, tanto na área de pagamentos quanto de logística”, disse Ramos à Sputnik Brasil. “Existem agentes financeiros brasileiros que operam no mercado russo para garantir o pagamento de diesel e outros ativos. Os canais logísticos também estão estabelecidos, inclusive para cargas conteinerizadas.”

O sucesso do diesel, portanto, poderá abrir caminho para que outros produtos sejam incluídos na pauta comercial. Para Ramos, o empresariado brasileiro mostra interesse em aprofundar as relações com a Rússia e compreende as limitações das sanções norte-americanas.

“Vejo muita disposição do empresariado brasileiro em fazer negócios com a Rússia, mas convenhamos que a questão aqui é de preços, competitividade e da qualidade do produto russo”, disse Ramos. “No caso do diesel, o produto é bom, o preço é bom e o fornecimento é estável, então não há motivos para que esse comércio não se mantenha.”

Por que o Brasil importa diesel?

A posição do Brasil como grande importador de diesel pode surpreender, uma vez que o país é exportador de hidrocarbonetos e autossuficiente em petróleo. A produção brasileira, em média, atinge três milhões de barris diários, enquanto o consumo gira em torno de 2,4 milhões de barris diários.

No entanto, a baixa capacidade de processamento das refinarias brasileiras impede que o país atenda a demanda interna por combustíveis, em especial o diesel.

“O Brasil bebe diesel”, notou o diretor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo Ildo Sauer. “O nosso transporte é rodoviarizado, o transporte urbano é a base de ônibus movido a diesel e o maquinário da agricultura brasileira, que é o grande motor da economia, também é movido a diesel.”

O país investiu no aumento de sua capacidade de refino a partir de 2012, inaugurando projetos ambiciosos como o da construção de quatro refinarias no nordeste e sudeste do país.

“Anunciaram a construção de quatro refinarias: em Pernambuco, no Maranhão, no Ceará e no Rio de Janeiro. Mas só construíram meia”, lamentou Sauer. “Fora isso, tivemos um rearranjo inexplicável da Petrobras para reduzir a sua carga de refino, que segundo estatísticas caiu de 90% para 75%.”

Projetos importantes para o aumento da capacidade de refino brasileiro caíram na malha da Operação Lava Jato e os investimentos estatais minguaram a partir de 2015. Dessa forma, a capacidade atual de refino brasileira se mantém em nível equivalente ao consumo, mas “não é possível operarmos o tempo todo a 100% da capacidade, por questões de manutenção”.

“Atualmente, a dependência brasileira de diesel importado é estrutural, mas não precisaria ser. Isso é fruto de decisões empresariais e políticas insuficientes ou equivocadas tomadas no Brasil”, disse Sauer. “Como uma refinaria demora cerca de cinco anos para ser construída, as importações de diesel de países como a Rússia devem continuar no curto e médio prazo.”

O presidente da Câmara de Comércio Brasil–Rússia concorda que a tendência é que a Rússia se mantenha como fornecedora do Brasil, mas aconselha que empresas russas ampliem sua participação em investimentos no setor de petróleo e gás brasileiro, inclusive na área de refino.

“A importação brasileira de diesel é um avanço tático nas relações entre Brasil e Rússia, mas agora precisamos focar em projetos estratégicos: mais investimentos bilaterais, mais integração financeira, mais produtos de maior valor agregado e maior interação entre as sociedades”, concluiu Ramos.

O comércio entre Brasil e Rússia apresenta tendência de aumento e incremento de produtos desde 2022. A Rússia se tornou o quinto principal fornecedor brasileiro em 2022, respondendo por 3,2% das importações totais do país, e crescerá ainda mais em 2023. Em 2021 a Rússia ocupava o nono lugar.

(fonte: Sputnik Brasil)